Máscaras: as lições de estudo da USP sobre as que mais protegem da covid-19

Máscaras: as lições de estudo da USP sobre as que mais protegem da covid-19

As máscaras que usamos no dia a dia oferecem níveis de proteção contra a covid-19 bastante diferentes entre si: enquanto algumas chegam a filtrar quase 100% de partículas que podem conter o coronavírus, outras barram só 15%.

As conclusões são de um estudo do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) publicado recentemente no periódico Aerosol Science and Technology, testando a eficiência de 227 modelos encontrados em lojas e farmácias do Brasil – desde a PFF2, a mais segura, até as de tecido comum, cuja capacidade de proteção varia muito.

O Laboratório de Física Atmosférica da universidade tem equipamentos capazes de medir minúsculas partículas em suspensão na atmosfera, que podem carregar nelas o coronavírus e serem inaladas.

Os pesquisadores produziram, a partir de uma solução de cloreto de sódio (sal), partículas de aerossol de tamanho semelhante às que carregam o coronavírus no ar (60 a 120 nanômetros) e testaram a capacidade das máscaras em reter, ou deixar passar, essas micropartículas.

“Queremos deixar muito claro que, embora algumas máscaras sejam mais eficientes do que outras, o uso de máscaras é essencial, qualquer que seja”, diz o físico Fernando Morais, principal autor do estudo, à BBC News Brasil.

Dito isso, esse e outros estudos trazem lições importantes sobre como cada um de nós pode melhorar a proteção individual, essencial num momento de redução no isolamento social e de circulação de novas variantes mais contagiosas (e potencialmente mais graves) do coronavírus.

Veja a seguir quais são elas e quais foram as principais constatações do estudo da USP:

A proteção das principais máscaras

Eficiência das máscaras. Por capacidade de filtragem.  *Máscaras de tecido tiveram eficiência de filtragem que variou de 15% a 70%, com média de 40%.

Não é surpresa que a maior proteção venha da máscara PFF2 (equivalente à N95), modelo profissional que já está se tornando mais popular no país e retém em torno de 98% de partículas que caem sobre ela, segundo a medição do Instituto de Física da USP.

Por isso, crescem os esforços para popularizar o uso dessa máscara e para ensinar o público a reutiliza-la com segurança, sem a necessidade de descarte imediato (leia mais ao fim da reportagem).

Em segundo lugar, diz o estudo, ficaram as máscaras cirúrgicas, que filtraram 89% das partículas. Além de ter boa filtragem, a máscara cirúrgica é elogiada por Fernando Morais por não dificultar a respiração e por ter aquele arame em cima do nariz – o clipe nasal – que permite um ajuste melhor ao rosto.

Isso nos leva a um fator crucial para essa ou qualquer outra máscara: ela precisa de fato estar bem ajustada ao rosto, tanto na área do nariz quanto nas laterais, ou não vai ser capaz de impedir a entrada do ar não filtrado.

“O grande problema das máscaras cirúrgicas é o ajuste no rosto, que deixa algumas brechas”, disse à BBC News Brasil, no início do mês, o físico Vitor Mori, pesquisador da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, e integrante do Observatório Covid-19 BR.

Por isso, disse Mori, máscaras cirúrgicas são mais indicadas para ambientes abertos e bem arejados – e, é bom lembrar, precisam ser trocadas a cada quatro horas.

Máscaras de TNT (feitas de polipropileno, um tipo de plástico) também oferecem, segundo o estudo da USP, uma boa proteção geral (entre 78% e 87%), mas é preciso tomar cuidado com “pegadinhas”, alerta Morais.

“Fica o alerta de que alguns tecidos de TNT não são muito uniformes: têm partes mais escuras e mais clarinhas, o que significa que há menos material ali (e pode haver brechas para partículas de vírus passarem). Você pode observar isso se olhar as máscaras contra a luz”, explica o físico.

“Essas (mais irregulares) não são tão indicadas. O melhor é um TNT mais uniforme, como o de três camadas chamado SMS.”

Por fim temos as máscaras de tecido, as mais comuns e mais facilmente fabricadas. Se essa alta disponibilidade é uma vantagem, o ponto fraco principal é que muitas delas são bem pouco eficientes em reter o vírus.

No experimento, a filtragem média das máscaras de algodão foi de 40%, o que significa que elas deixaram passar, em média, 60% das partículas que caíram sobre elas.

E essa média esconde uma grande disparidade: algumas chegaram a filtrar 70% e outras, apenas 15%.

Máscaras de tecido: o que evitar

Dois fatores-chave que aumentam ou diminuem a capacidade de proteção das máscaras de pano são as camadas e o tipo de costura:

– Máscaras com duas ou três camadas de algodão protegem bem mais do que máscaras de camada única;

– Máscaras com costura no meio são menos eficientes, uma vez que a máquina de costura faz furos no tecido que permitem a passagem de partículas minúsculas de vírus.

Na prática, explica Morais, “é uma máscara furada”. “Máscaras que tenham costuras industriais feitas com soldagem são OK. Mas a máscara caseira de costura central não é recomendada.”

Também com as máscaras de pano é preciso prestar atenção ao ajuste à face: quanto mais vedado o rosto ficar, mais a máscara vai proteger. Por isso, se ela tiver um clipe nasal, ponto positivo para ela.

A grosso modo, diz Morais, é bom olhar as máscaras contra a luz e ver o quão homogêneas elas são e se elas deixam passar muita claridade. “E não ache que o tecido mais grosso é o melhor, porque as linhas que fazem o tecido são mais grossas, e os buracos (minúsculos entre as tramas) serão maiores”.

Preste atenção também a tecidos que se vendem como ultraprotetores ou antivirais.

“Máscaras de neoprene, por exemplo, de fato têm uma eficiência de filtragem boa. Mas é o tecido que surfistas usam para não se molhar. Então você dificilmente vai conseguir respirar bem e usar uma máscara dessas por mais de 15 minutos. Vai esquentar demais o rosto e vai ser muito difícil fazer o ar passar pela máscara”, aponta Morais.

Ou seja: ou você vai acabar tirando a máscara para conseguir respirar e falar, ou vai acabar respirando apenas o ar não filtrado que entrar pelos vãos da máscara.

Existem também as máscaras com propriedades antivirais, capazes de inativar o vírus. Mas não confunda isso com a capacidade de filtragem, que de fato é o mais importante em uma máscara.

“Muita gente acaba comprando máscara antiviral para se proteger melhor, mas algumas são de tecido elástico, (pela qual) é mais fácil passar o ar com vírus”, diz à BBC News Brasil Ralph Holzmann, do projeto Quero Máscara, que tem pleiteado o uso difundido de máscaras melhores contra o coronavírus.

Máscara de tecido sobre a cirúrgica aumenta a proteção, diz estudo americano

Se você quer aumentar a eficiência da sua máscara de tecido, vale ter em mente um estudo apresentado em fevereiro pelos Centros de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDCs), apontando que o uso de uma máscara de tecido por cima de uma cirúrgica conseguiu bloquear mais de 90% das partículas emitidas em uma tosse simulada.

Embora os pesquisadores não possam garantir esse percentual de proteção em qualquer situação, essa dupla de máscaras se complementa entre si: enquanto a cirúrgica é melhor na filtragem de micropartículas, a de pano veda melhor o rosto e consegue fechar algumas das brechas eventualmente deixadas pela cirúrgica, por onde passaria ar não filtrado.

Além de filtrar, a máscara precisa te deixar respirar

De volta ao estudo da USP, os pesquisadores observaram também a importância da respirabilidade de máscaras, ou seja, o quanto elas permitem o conforto respiratório do usuário. O risco é que máscaras, mesmo as boas, acabem indo parar no queixo, por serem excessivamente incômodas.

Por isso, máscaras de quatro ou cinco camadas, por exemplo, ou as de neoprene, citadas acima, não são as mais recomendadas, apesar da capacidade de filtragem.

“Se você tem uma máscara muito eficiente, mas ela é irrespirável, você vai usar ela por 30 minutos no máximo. Logo vai colocar a mão no rosto, o que pode trazer o vírus mais próximo de você, por causa do desconforto”, explica Morais.

Para ele, “a máscara ideal é aquela que você vê inflando e desinflando, o que significa que o ar de fato está passando pelo tecido. Se a máscara não tá fazendo isso, significa que o ar está vazando por cima, por baixo ou pelas laterais. E daí é quase a mesma coisa que não estar usando uma máscara”, uma vez que você vai acabar inalando ar não filtrado.

Quanto maior a exposição ao vírus, melhor tem que ser a máscara

À esta altura da pandemia, já se sabe que as chances de contágio do coronavírus são muito maiores em ambientes internos e fechados, pouco ventilados, onde aerossóis potencialmente contaminados ficam mais tempo no ar. Então é nesses ambientes de maior exposição à covid-19 que mais precisamos de máscaras melhores.

Isso pode nos ajudar a elaborar estratégias individuais mais eficientes de uso de máscara. “No dia que você tem que ir ao médico, lugar altamente exposto, você usa sua melhor máscara”, de preferência uma PFF2, explica Morais. No dia em que você vai só fazer uma caminhada na rua, ao ar livre, em tese pode se proteger com uma cirúrgica ou uma boa máscara de pano.

Ao mesmo tempo, muitos países europeus têm aumentado as restrições contra máscaras de pano, justamente por não confiarem em sua capacidade de proteção.

Países como Áustria e Alemanha, por exemplo, desde o começo do ano passaram a exigir o uso de máscaras cirúrgicas ou PFF2 em estabelecimentos comerciais e transporte público, proibindo as máscaras caseiras nesses ambientes.

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mantém a indicação de máscaras de tecido para a população em geral e de máscaras cirúrgicas ou PFF2 para profissionais de saúde.

PFF2 para todos

Mas, diante de níveis tão diferentes de eficiência das máscaras de pano, muitos especialistas têm argumentado que, neste momento de reabertura da sociedade em meio a uma circulação ainda alta do vírus, precisamos pensar em formas coletivas de ampliar o uso de boas máscaras por toda a população.

“Vimos que existem alguns grupos vulneráveis que estão muito desamparados – por exemplo funcionários da educação que voltaram (às escolas) sem terem máscaras melhores, e também (profissionais) da saúde e segurança pública. Se vamos manter as pessoas em ônibus lotados, o mínimo que temos de fazer é entregar uma máscara (de alta proteção) para elas na entrada”, diz Beatriz Klimeck, doutoranda em saúde pública e integrante, com Ralph Holzmann, da iniciativa Qual Máscara.

O projeto começou com um abaixo-assinado em favor da distribuição de PPF2 a todos os servidores do Rio de Janeiro e com postagens online a respeito do uso eficiente de máscaras. Hoje, a dupla está envolvida também no monitoramento e na elaboração de projetos de lei nacionais para difundir e distribuir o uso dessas máscaras.

“A PFF2 não é necessariamente inacessível financeiramente, no sentido de ser cara. O que não ficou acessível foi a informação sobre a importância dela”, argumenta Holzmann.

“Precisaria haver uma recomendação clara de uso de máscaras melhores. A campanha do último ano foi ‘use máscara’. As pessoas passaram a achar que qualquer máscara serviria, de que qualquer pedaço de pano no rosto é suficiente”, agrega Klimeck.

“Sugerimos mudar o foco em geral, dizendo que tem que ser um tipo de máscara específico, tem que cobrir nariz e boca, que há tecidos melhores e piores.”

Além disso, dizem eles, a máscara não pode ser reutilizada dia após dia, infinitamente. Idealmente precisa ser distribuída em kits e redistribuída para o mesmo público cerca de três meses depois, para substituir as máscaras velhas.

Como usar e reusar máscaras PFF2

Itens raros até pouco tempo atrás, máscaras do tipo PFF2 já estão mais facilmente disponíveis em lojas e farmácias, mas é bom prestar a atenção em alguns pontos para não comprar produtos ineficazes que se passam por máscaras boas.

As PFF2 têm em sua embalagem um número chamado CA (certificado de aprovação), explica a equipe do Qual Máscara. Sua embalagem sempre dirá que se trata de uma máscara descartável destinada à proteção contra poeira, névoas e fungos.

E sempre será soldada – se houver costura à linha, por exemplo, não é uma PFF2 e sua capacidade de proteção certamente será inferior, uma vez que micropartículas podem passar pela costura central.

O ideal é ter uma PFF2 para cada dia da semana, dizem Klimeck e Holzmann. Depois de usa-la, é importante não mexer na parte frontal da máscara (que pode estar contaminada) e manuseá-la apenas pelos elásticos. E nunca se deve passar álcool ou sabão na PFF2.

Você pode pendura-la em um gancho de uma área ventilada da casa e deixa-la repousar. Mais ou menos uma semana depois, ela poderá ser reutilizada com segurança.

Para Beatriz Klimeck, o uso de boas máscaras pode ter uma capacidade maior até do que a vacina de prevenir mortes no curto prazo, uma vez que o imunizante está disponível para uma parcela pequena da população brasileira.

Para Fernando Morais, da USP, vale sempre lembrar que devemos usar a máscara “não porque é obrigatório, mas porque queremos vencer a pandemia” e proteger uns aos outros.

Fonte: BBC

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